Ela estava andando na rua quando a chuva a surpreendeu. Pensou em correr a busca de um abrigo, mas num súbito desejo, deixou a chuva cair sobre sua cabeça. Parecia escutar a voz de sua mãe, gritando:
-- Menina sai da chuva! Você vai ficar resfriada!
Ela sempre entrava aos primeiros pingos, nunca se permitindo nem uma vez se molhar.
A chuva não era formada por grossos pingos, mas incessante e em grande quantidade. Ela estava molhada. Até os ossos, pensou. Olhou seu braço e a blusa branca molhada estava transparente. Sorriu. Imaginou que os homens a estavam observando e vendo seu corpo por entre a roupa molhada. Na verdade, ninguém prestara atenção. Todos estavam procurando algum abrigo e passavam por ela indiferentes. Não importa, pensou, na minha imaginação tudo pode acontecer.
Parou para olhar uma vitrine. Uma joalheria. A água escorrendo no vidro torna as jóias mais brilhantes, como se estivessem no meio de uma névoa. Pedras de sonho, pensou. Lembrou-se do namorado. Ex. Não tanto, ainda havia uma pequena esperança dele voltar. Talvez não valha a pena. Ele jamais se sensibilizaria com a imagem de uma jóia envolvida em névoa. Nem com passear na chuva, mesmo se pudesse ver seu corpo molhado.
Foi então que viu o rosto de um rapaz refletido no vidro. Molhado. Como ela. Olhava com olhos brilhantes. Para ela? Ou para a vitrine? Queria que seus olhos fossem para ela. Encabulou-se de seu pensamento. Deve ter ficado com um rubor nas faces. Ele percebeu e sorriu, aproximando-se mais um pouco. Ouviu novamente a voz da mãe:
-- Se cuida menina, os homens são todos sem-vergonhas!
Sorriu mais uma vez. Uma chuva não quebra ossos, um rapaz com desejo por ela não poderia ser sem-vergonha. Queria-o mais perto. Ele novamente percebeu. Novo rubor. Podia sentir seu rosto junto ao seu, mas não atreveu-se a virar para ele. Sentia o seu respirar, acompanhando o seu. Sinal de paixão, pensou. Quem acompanhava quem? Ele estava bem perto. Podia sentir o calor de seu rosto, quase a tocar o seu. A água da chuva em seu cabelo pingava em seu ombro. Parecia sincronizada com o bater do seu coração. Agora um pouco mais acelerado. O brilho das jóias, o brilho no olhar. O seu respirar junto com o dela. A água da chuva nos cabelos dele, nos ombros dela. Os pingos. O coração. O desejo. Um beijo. Longo.
A chuva. A menina com vontade de brincar. A adolescente com vontade de amar. A jóia. Enevoada. Pela chuva. A mulher que se vê menina. Um beijo furtivo na rua. Na chuva.
Alvaro Domingues
Nenhum comentário:
Postar um comentário