segunda-feira, novembro 26, 2012

Casablanca





Não sei tocar piano

Não tenho um amigo chamado Sam

Mas revejo a cena num velho DVD

O ar de sofrimento blassé de Humphrey Bogart
Tentando ser nobre e escondendo 
Baixíssima auto-estima.

E Ingrid Bergman mostrando hesitação
A espera de um único sinal
Para sempre escondido
No rosto frio e cínico
Atrás de nobreza fingida
E orgulho ferido
De seu outrora amado

Humphrey Bogart
Vira o rosto
Sabedor de que
O tempo e a distância
Nunca curam velhas feridas


Alvaro 2009
foto promocional do filme Casblanca

quinta-feira, novembro 22, 2012

Sombras e Desejos


Quando seus pais compraram a casa que um dia pertencera à família de Wendy, a mudança do campo para a cidade pareceu menos pesada para Alice. Apesar de não ser mais criança, ainda era excitante poder deitar na cama de Wendy e dormir de vez em quando com a janela aberta, às espera de Peter Pan. "Isso nunca aconteceria", pensou.

Mas um dia quando Alice iniciou seu caminho de volta das aulas sozinha, alguém lhe passou a mão em suas nádegas. Virou-se a procura do atrevido e não viu nada. Seguiu o caminho, disposta a dar um soco no safadinho. Apesar da atenção redobrada, o safado tocou-lhe os seios! Vermelha de raiva e de vergonha, com a mão espalmada pronta para um bofetão.... e nada! O espertinho era rápido demais.

quarta-feira, novembro 21, 2012

Ideologia


Não ligava de lutar. Nem mesmo quando tinha de se embrenhar na mata, picado por mosquitos e outros insetos. Nem de ficar de tocaia a noite, deitado na lama, esperando pelo inimigo que às vezes não vinha, ou vinha quando não era esperado. Talvez como agora...

terça-feira, novembro 20, 2012

Transubstânciação


O velho pároco José caminhava pelas ruas, apesar da igreja ter adquirido um aparelho de teletransporte recentemente. Não lhe agradava ver seus átomos serem dispersos por aí. Além do mais, os cientificistas cristãos da Igreja de São Tomé teriam um prato cheio pra desmoralizá-lo em público. Desde que a seita surgira, os católicos, em especial os padres, não tinham mais sossego. Os cientificistas queriam porque queriam provas e mais provas, de fatos históricos, de milagres e dogmas. Diziam ter fé, mas queriam provas. E o pior é que achavam que os padres, por acreditarem em milagres, não deviam se utilizar de qualquer tecnologia. Uma seita completamente irracional que se dizia justamente o contrário.

segunda-feira, novembro 19, 2012

O Dia da Lagarta – Fanfic da Luluzinha



Querido diário,
Estou aqui no meu quarto de castigo! Imagine só, o que tenho que fazer!
Um trabalho sobre lagartas!
Sabe o que é, mamãe quis um dia ser professora e acabou virando contadora. Então ela me dá castigos como se fossem trabalhos de escola! É chato, mas é melhor que lavar toda a louça do jantar como minha amiga, a Aninha. E a mãe dela nem queria ser dona de restaurante...
E tem seu lado bom. Professora e mãe pensa tudo igual. E um dia uma delas vai pedir isso de novo e eu já fiz.
Eu sei que eu devia estar lendo o livro de ciências em vez de estar escrevendo em você. Minha mãe disse que não posso sair do quarto enquanto eu não terminar. E hoje vem a chata da Glorinha com sua mãe mais chata ainda jantar em casa. E minha mãe acha que está me punindo me deixando longe dela!
Você deve estar morrendo de curiosidade, não é? Quer saber o eu aprontei hoje para ganhar um castigo desses, não é?. Bom, mamãe tem verdadeiro horror a estes bichos e eu sei disso. Mas eu, não! O Bolinha diz que isso tá errado, e que meninas sempre têm medo de bichinhos com muitas patas ou viscosos.
Não tenho medo, nem nojo e até gosto delas. Talvez até pra ser contra o Bolinha. Ou porque a Glorinha tenha medo delas. Foi por isso que catei uma lagarta no jardim e levei para casa. Confesso que a minha primeira ideia foi por o bicho no pescoço da Glorinha na sala de aula. Mas aí fiquei com dó da futura borboleta. Tá vendo? Eu até já sei como termina o trabalho!
Levei a lagarta pro meu quarto e coloquei numa caixa de sapatos. Tive que pegar algumas folhas de alface da geladeira. Uma coisa que sempre achei chato na vida das lagartas: elas só comem verdura!
Só que eu me esqueci que papelão um dia tinha sido verdura e a lagarta comeu minha caixa. O Bolinha diz que não, que lagarta só come verdura fresca. Não interessa quem fez o buraco, só sei que ela fugiu. Procurei no meu quarto e não encontrei. Desci as escadas e fui à sala. Era um domingo à tarde e meu pai, como de costume, estava dormindo no sofá. A lagarta estava andando na testa dele! Ainda meio dormindo, ele ia dar um tapa nela!
Dei o maior berro!
Papai! Não mate a Clotildes!
Minha mãe correu ver o que era. Ela, ao ver a lagarta na testa do meu pai, deu um grito maior que o meu. Foi tão forte que alguns vizinhos vieram acudir.
O susto que eu dei nele, na minha mãe e nos vizinhos gerou este castigo. A Clotildes, coitada, foi morta a chineladas. Vou colocar no meu trabalho que é feio matar a chineladas espécies ameaçadas de extinção.
Homenagem à Luluzinha, 
a primeira feminista dos quadrinhos
Alvaro A. L. Domingues 2010


domingo, novembro 18, 2012

O que Alice encontrou na Eternidade



Alice gostava de olhar pra o velho relógio de pêndulo, alto com um armário e estreito como um... como um ...como o padre magricela que vinha de vez em quando conversar com seu avô.

Mas o velho relógio não era chato como o velho padre. É certo que só falava tic, tac, mas era melhor ouvi-lo do que ouvir as mesmas exortações do pároco. Ele procurava tirar seu avô da vida de ateu (“agnóstico”, como ele se definia), ameaçando-o com as penas eternas do inferno.

No começo Alice tinha medo do inferno e das terríveis penas que o padre descrevia, mas, pouco a pouco, o medo foi sendo abandonado devido às descrições cada vez mais grotescas e exageradas do padre, passando do terror ao ridículo em poucos meses.

O que ainda a incomodava nas falações do “representante de Deus” era a palavra Eternidade. Resolveu perguntar ao relógio:

– Relógio, o que é Eternidade?

Prestou atenção e só ouviu o tic, tac de sempre. Sempre? A eternidade seria o sempre? Então devia ser chata mesmo e podia estar lá no inferno. Sua mãe sempre a repreendia, seus professores sempre lhe davam nota baixa, porque ela sempre esquecia as respostas certas... Ou talvez o nunca. Ela nunca podia comer a sobremesa antes do jantar, nunca podia dormir depois das nove e nunca podia subir em arvores porque era menina e meninas sempre vestiam saia.

O pendulo do relógio ia pra lá e pra cá. Tic. Tac. Sempre. Nunca. Sempre. Nun...

O relógio assumiu um ar grave. “Ar?”, pensou Alice intrigada. Relógios não têm “ar” de coisa nenhuma a não ser de uma cara cheia de números e ponteiros. Se fosse possível, o relógio teria sorrido. Alice olhou melhor e viu que o relógio lhe sorria com uma boca, debaixo de um nariz, debaixo de dois olhos.

–  Pensei que isto nunca ia acontecer! – gritou Alice, meio assustada,  meio excitada.

– Pronto! – respondeu o relógio. Você acabou com a eternidade do nunca.

Alice ficou intrigada e pensou um pouco, tentando entender o que o relógio lhe falava. Desistiu logo e perguntou:

– Como assim?

O relógio assumiu novamente o ar grave e respondeu com gravidade necessária:

– Nunca ia acontecer, e aconteceu! O nunca não é mais eterno!
Alice não gostou que o relógio tivesse ralhado com ela! Já não chegava seu pai, sua mãe, sua irmã e os professores? Cheia de raiva, revidou:

– Seu velho ingrato! Eu sempre lhe dei atenção e você vem ralhar comigo!

O relógio não se abalou e continuou no mesmo tom:

– Lá se foi o sempre também!

Alice ficou mais intrigada ainda. Como ela podia ter destruído a eternidade do sempre? Sempre é sempre! E pronto!

Como se estivesse lendo seus pensamentos, o relógio respondeu:

– Como sempre? Estou nesta sala há pelo menos vinte anos e você tem no máximo uns doze. E pelo menos durante uns cinco anos você nem notou que eu existia!

– Vocês relógios se melindram facilmente! – queixou-se a menina.

– Você já melindrou algum outro relógio? – perguntou ele, cheio de ironia.

– Nunca! – gritou a menina já farta das tiquetaqueadas mal educadas.

O relógio recolheu-se a seu velho semblante cheio de números, diante da resposta de Alice, fingindo indiferença. A menina resolveu esquecê-lo e ir brincar lá fora. Talvez o velho relógio de sol do jardim tivesse a fim de conversar.

Chegando ao jardim correu para o relógio de sol. Encontrou-o com uma expressão tristonha e, preocupada, interpelou-o:

– Por que está triste?

O relógio de sol de uma suspirada e respondeu:

– Você também estaria triste se não pudesse ser você mesma.
 
Alice arrepiou-se, ao lembrar  que uma vez perdera a identidade e ficara sem saber quem era por um bom tempo. O relógio continuou:

– Como você pode ver, hoje o tempo está nublado. Sem sol não sou relógio, muito menos “de sol”!

A menina sentiu que as coisas não estavam indo bem para ela. Será que todos os relógios eram assim tão mal humorados? Talvez o seu trabalho, de marcar dia a pós dia o tempo dos homens os deixassem naquele estado. E se não houvesse relógios? Talvez o tempo não andasse. Seria criança eternamente, como Peter Pan. Mas teria que ir para a escola e a aula não acabaria nunca. Procurou tirar isso da cabeça. Com relógio, teria que acordar cedo, mas também saberia quando haveria recreio e quando voltaria pra casa.

Mas ainda não sabia o que era eternidade. Pensou em perguntar para o avô, mas sabia que respostas dele teriam palavras difíceis que só serviriam para confundi-la mais. Adultos geralmente fazem isso com crianças quando não sabem a resposta.

Alice sentou-se no balanço e deixou-se balançar. “Como o pendulo do relógio”, pensou. O vai e vem do balanço acabou por acalmá-la, deixando livres seus pensamentos. O futuro desejado misturou-se ao passado lembrado. O passado lembrado deu lugar aos sonhos antigos e esquecidos. Os novos sonhos misturam-se a imagens de brincadeiras e trechos de livros. Neste estado ela viu a folha.
 
Uma folha levada pelo vento, presa num redemoinho, subia e descia sem tocar de novo o chão fazendo sempre o caminho de ir e vir. O ponto de saída e de chegada eram os mesmos, mas os caminhos entre eles eram muitos. A cada ciclo, a folha fazia um caminho diferente e, tal qual um caleidoscópio, sem nunca se repetir. E então ela sentiu. Ainda que o vento parasse, ainda que de repente não houvesse mais a folha, aquele momento que ela observara seria eterno.

E seu rosto iluminou-se.

Alvaro 2010
Imagem: Alice atravessa o espelho — John Tenniel
relógio grande, relógio de sol  e folha ao vento, sem autoria

sábado, novembro 17, 2012

Sombras e Sonhos



Demônios povoam os sonhos.
De onde virá a Luz?
Sem medo ela porta um cálice,
Feito de dura pedra.

Em seu interior, um Sol
Tal qual uma hóstia
Tenta partí-lo em pequenos pedaços
E dar em comunhão à multidão desombras

Uma voz cheia de poder, lhe diz
"Erga o Sol acima de tua cabeça
E mostra-o para que a multidão
Veja que tu portas a Luz".

Ela obedece e com o Sol
Na ponta dos dedos da mão esquerda
O ergue, exibindo-o para quem sofre
E as sombras se enchem de Luz.

Alvaro 2008
imagem: sem autoria

quinta-feira, novembro 15, 2012

Em busca de um herói





Cansamos de heróis derrotados,
Mortos em causas perdidas:
Tiradentes, Zumbi e Lamarca!

Queremos um Herói vencedor!

Brás Cubas recita:
"Ao vencedor, as batatas".
E Macunaíma sorri
Quando aplaudimos
O Capitão Nascimento.
Alvaro 2007
foto: Bope em ação no Rio - imprensa

quarta-feira, novembro 14, 2012

Nostalgia



Lúcifer viu com tristeza

A Luz de quem fora senhor se afastar.

Escolhera assim.

As trevas mais profundas
Ainda precisariam dele.

Única fonte de Luz
Num mundo de escuridão.


Álvaro 2008
imagem: Lúcifer (autoria desconhecida)

terça-feira, novembro 13, 2012

Parque deserto


Balança sacudida pelo vento 
Onde está a Criança?
Olha a janela esperando bom tempo.
 


Alvaro 2007



segunda-feira, novembro 12, 2012

Quase Hai Cais

Goleiro

Protege seu espaço
Pois dele depende
Sucesso ou fracasso

Mulher de sucesso

Luta dia e noite
Pois ela vê um ponto brilhante
Num futuro não muito distante

Super pai na corda bamba

Entre dois momentos
Faz malabarismos
Com o orçamento

Diretor de cinema

Ao iniciar cena
Verificando todos os detalhes
Diz: Faça-se a luz!

Editor

Coloca entre duas capas
O que o autor tem
Em seus miolos

Alvaro 2007

domingo, novembro 11, 2012

Morangos à espera


Hoje ela viu os morangos.

Neste dia sua sensibilidade estava à flor da pele. Por isso se sentiu atraída pela taça de morangos que estava na mesa. Em outros dias passaria reto por ela, pegaria sua bolsa e iria trabalhar. Como o marido, que havia saído uma hora antes e deixara a taça. Como todos os dias.

Quase nunca comia os morangos, mas eles sempre estavam lá. 

À espera.

Sempre havia alguns com a folhagem. Pegou um deles e pôs sobre a palma da mão esquerda. O contato com sua pele a deixou ligeiramente arrepiada. Demorou alguns segundos sentindo sua textura. O calor da sua mão aqueceu a fruta. A sensação agora era de pele, como se alguém pousasse suavemente a mão sobre a sua.

Pegou o fruto pelo cabinho e ficou olhando. Sua forma lembrava-lhe a ponta de uma língua. Lambeu-o mas o gosto não foi de um beijo. A fruta não era tão perfeita assim. Riu da sua imaginação. Depois ficou séria, contemplando o morango. Estaria cedendo ao simbolismo vulgar dos filmes eróticos? A resposta foi sim. Mas, e daí?

Lambeu novamente o morango. 

Agora sim, tinha gosto de beijo. Se ela tivesse levantado mais cedo, poderia ter beijado  marido antes dele sair. Mas ele iria embora de qualquer jeito, correndo apressado, preocupado com o horário. 

Teria que ser mais que  um beijo matinal para arrancá-lo da pressa. Sugou o morango com força. Sentiu o sabor da fruta, agora com gosto de paixão. Quanta paixão seria necessário para fazê-lo esquecer-se de suas responsabilidades? Sugou o morango com força, quase fazendo-o  derreter em sua boca.

Seria suficiente? Não!   Teria que por mais paixão ainda. E se ela estivesse semi nua, vestindo apenas o robe de seda translúcido que ele lhe dera em seu aniversário? Duvido que ele resistisse.

E ela? Uma parte sua estava lhe gritando: "é tarde!". Seu senso de responsabilidade quase a fez largar os morangos no chão. Precisava silenciá-lo. Agora! Despiu-se ali, jogando suas roupas no chão. E ficou olhando a taça de morango, à espera do sentimento erótico retornar.

Não demorou muito e cada morango virou uma carícia diferente, percorrendo seu corpo, como se fossem, os dedos, os lábios e a língua de seu marido.

Cheia de tesão ligou para ele, pedindo que voltasse urgente para casa. Despiu-se, colocou os morangos em uma taça especial, e ficou.

À espera.

 Alvaro 2007
fotos 1 e 2, sem autoria
foto 3  (detalhe)  - Ramarago

O Samurai


Um grande guerreiro, orgulhoso de sua coragem, encontra-se com um mestre zen. Durante algum tempo conta sua aventuras cheias de heroísmo e pergunta:
— Mestre você conhece alguém mais corajoso que eu?
O mestre sorri e, fazendo um gesto para o guerreiro lhe acompanhar, dirigiu-se à rua. Caminharam em silêncio por alguns instantes até que o mestre pára diante de uma criança que brincava.
— Eis alguém mais corajoso que você.
O guerreiro, perplexo, pergunta:
— Por que?
O mestre sorri e responde:
— Uma criança ousa sempre mostrar quem é.
Alvaro 2007
Desenho: Samurai Warrior - Harvey Tolibao

sábado, novembro 10, 2012

sexta-feira, novembro 09, 2012

Arauto





Uma leve brisa
levanta a folha do chão.

Anuncia o Grande Vento que trará a tempestade.


 
Alvaro 2007
foto: Augusto Peixoto 2005 

quinta-feira, novembro 08, 2012

A Vida num instante


Toda a sua vida passou diante de seus olhos. Não só a sua, mas de todas as pessoas. De todos os tempos. De todos os lugares. Da Terra. Do Universo. Até o instante do Big Bang. Precisava parar com aquilo. Desesperado, gritou:

— Faça-se a Luz!




Alvaro 2007
imagem: Big Bang - divulgação científica

quarta-feira, novembro 07, 2012

A natureza de Deus – conto à maneira Zen



Dois homens discutiam acaloradamente e isso chamou a atenção de um monge e ele perguntou:

— Sobre o que vocês estão conversando tão animadamente?

— Eu e meu amigo discutimos sobre a natureza divina. Eu acho que existe um e um só Deus. — respondeu um deles

— E eu, que existem vários — respondeu outro.

E, voltado-se para o monge, perguntou:

— E o senhor, o que acha?

— Se existe um ou mais deuses eu não sei. Aliás, nem sei se existe algum deus.

Ambos olharam para o monge, perplexos e ele, após um pausa, continuou:

— Mas, se existe um Deus, ele não acredita em Deus.

Alvaro 2012

terça-feira, novembro 06, 2012

Contrastes




Noite alta.

O vento sopra por entre as lápides.
Do lado de fora, 
Encostado ao muro um mendigo dorme,
 Sonhando com um jardim.

Cheio de vida.
E sem muros.
Alvaro
foto: Tudor Hulei - Cemitério da Ilha Aran

segunda-feira, novembro 05, 2012

O Pão



Mesa posta para o café da manhã
Um pão está no cesto
É apenas um pão?
O olhar do poeta vê
A satisfação de viver.
 
Rumi (sec XIII) & Álvaro (sec XXI

domingo, novembro 04, 2012

Dois poemas


Avis rara


Sob sol abrasante
Pousa elegante
Em lago brilhante
Com jeito triunfante
Ave errante
Em busca constante
De vida apaixonante!

Sacerdotiza


O gesto estudado
marcando rito antigo
Velhos Deuses
Há muito esquecidos
Aguardam ansiosos
Um novo depertar
Haverá ainda quem deles se lembre?

Alvaro 2005
Fotos Flávio Machado

sábado, novembro 03, 2012

Canção Viking



No mar, o navio foi lançado
Em busca lugar nunca alcançado
Neste mundo de incerteza,
Em cada homem do mar
Dois desejos a nortear:
A busca de aventura e riqueza
E, quando tudo terminar,
Para o lar
Em segurança retornar.
Cantemos!
Nos alegremos!
O Navio retornou em segurança,
Trazendo à bordo a Esperança!
Os intrépidos Marinheiros,
Os valentes Guerreiros,
Após dura prova
Nos trazem vida nova.
 É tempo de colheita.
Após a grande empreita,
O Tempo de Amargura
Dará lugar à Fartura.
A vida é o aqui e agora
Festejemos sem demora
Hoje nosso lar está seguro.
Em garantia está nosso futuro!
Alvaro - Fevereiro de 2006
imagem: foto de Replica de Barco Viking - Marinha de Portugal

sexta-feira, novembro 02, 2012

Finados




Não gostava deste dia. 

Por que comemorar logo isso? A Vida sim era importante, mas não havia um Dia do Vivos. E alguns dos vivos só seriam lembrados quando morressem. Quando nada mais adiantava. Que adianta ver toda sua família reunida se você está imóvel deitado num caixão? 

Isso ela filosofava enquanto afiava com suas mão magras uma longa foice, seu instrumento de trabalho há séculos...


Extraído do livro Sombras e Sonhos, da Balão Editorial.

imagem: Cemitério (sem autoria)

quinta-feira, novembro 01, 2012

Falso Dilema


Um homem foi aconselhado a praticar caridade e, todos os dias, dava um a moeda a um mendigo. Um monge, vendo isto, o criticou:

— Você não está praticando caridade nenhuma. Se der uma moeda a este homem, ele vai gastá-la bobamente e não sairá jamais desta vida!

No dia seguinte encontrou com o mendigo e ia dar-lhe a moeda mas hesitou, parando com a moeda a alguns centímetros da mão do pedinte. O homem pobre, percebendo que alguma coisa estava errada perguntou:

— O que houve?

— Me disseram que se eu lhe der a moeda, estarei fazendo um mal e não um bem. Por outro lado, quero continuar fazendo caridade.

O pedinte pensou um pouco e disse:

— Então vamos jogá-la num cara e coroa. Esta moeda contra outra moeda igual, que recebi hoje.

— Não me parece justo eu tomar-lhe o seu dinheiro!

— Talvez eu esteja merecendo perder a moeda ou você ganhá-la. Deixemos que os deuses decidam. Assim sua consciência ficará mais livre.

O homem pensou um pouco e aceitou a proposta.
O mendigo pegou a moeda e disse:

— Coroa você ganha e cara eu perco.

O homem olhou meio surpreso, meio indignado:

— Você está fazendo pouco de mim! Assim você perderá sempre!

— Pelo contrário! Você fica apenas com duas chances e eu fico com todas as outras. E eu insisto que seja assim!

— Que outras?

— Por exemplo um corvo voando poderá pegá-la no ar levá-la para seu ninho.

Pensando que o mendigo podia ser louco, o homem aceitou. O mendigo lançou a moeda no ar, de um jeito peculiar. Ela girou, cai no chão, girou por alguns segundos e parou em pé.

— Você não perdeu nem ganhou. Então a moeda é minha — disse o mendigo, pegando a moeda do chão.

O homem ficou atônito. O mendigo jogou novamente  a moeda no ar, do mesmo jeito que fizera antes. Enquanto ela ainda estava no alto, ele falou ao homem:

— Entre o preto e o branco há o cinza e além do cinza existem todas as cores.

A moeda caiu e o mendigo, abandonando a moeda no chão, foi embora, rindo. Ela caíra em pé pela segunda vez.
Álvaro 2005/2012
imagem: (papiro zen) Fukurokuju - Sengai