Frito
um ovo. A gema inteira bem no centro da clara. Como ele gosta. Faço
isso todas as manhãs, desde que nos casamos. Uma xícara de café
forte na mesa da cozinha. O inicio da manhã se completaria com
ele chegando do seu trabalho noturno. Às vezes chegava antes e me
abraçava e me beijava enquanto ainda estava fritando o ovo. Por
causa disso, algumas vezes o ovo queimava e ele fingia ficar zangado.
Mas
hoje ele não veio, como não tem vindo desde quando foi convocado
para lutar na Guerra. Eu não diria convocado, mas, sequestrado. O
governo do Sudeste não reconheceu seu direito de ficar em nosso
estado, limítrofe entrre as duas regiões, declarado neutro na
guerra Sul-Sudeste contra Norte-Nordeste. No Sudeste a cidadania era
solar. Uma vez nascido lá era para sempre de lá. E o nosso
governo, para assegurar sua neutralidade, permitiu que ele fosse
levado, separado de sua esposa.
Nosso
Estado não é um mais Estado neutro. Uma revolta interna derrubou o
governo e agora lutamos ao lado dos nacionalistas Norte-Nordeste.
Por muito tempo ficarmos longe das batalhas, mas a guerra
agora bate à porta de todos, não só de nós, vítimas de um
governo sem pulso que permitiu a saída de cidadãos para lutarem
contra sua vontade.
Olho
para a xícara de café e o prato com um ovo frito, talvez pela última vez. Até ontem, ficara imaginando
como ele seria quando voltar. Mas não hoje. Até ontem, queria que a guerra não o mudesse, apesar
de saber que o governo do Sudeste está usando a tecnologia dos
chips, proibida internacionalmente. Um dispositivo de nanotecnologia
colocado em seu cerebelo que pouco a pouco coloca como dominante a
vontade de lutar.
Fazia parte de um grupo de auto ajuda de pessoas com parentes sequestrados,
por ambos os lados, para lutarem por algo que não acreditavam. O que
todos mais temiam era a perda da identidade de seus entes queridos
por causa do chip. Saí por que eles me olhavam com inveja, pois meu
marido ainda me escrevia, mostrando laços de afetividade, quando
ninguém mais dava qualquer sinal de vida. Eu sei que suas cartas
estavam cada vez mais recheadas com slogans separatistas e xenófobos,
mas sempre havia algo para mim. Nem que fosse um “te amo” antes
da assinatura.
Isso
era uma prova de que ele cumprira o que prometera. Lutar contra o
domínio do chip enquanto fosse possível.
Porém
um dia as cartas não vieram mais. Eu preferia acreditar que
era porque abandonamos a neutralidade e o acordo com os Correios do
Sul-Sudeste foi rompido. Isso de fato aconteceu, mas as cartas
pararam bem antes.
Infelizmente
Nosso Estado scolheu o lado errado da guerra. Não por questões
ideológicas, mas por que é o lado que está perdendo.
Hoje,
a Capital está sendo bombardeada. Exaustivamente. Cruelmente. Como
se quisessem varrê-la do mapa. O pior que eu acho que meu marido
esteja comandando algum dos bombardeiros. Ele é piloto. Com seu
cérebro chipado, com certeza jogaria uma bomba na própria casa.
Enquanto
escrevo, vejo clarões das explosões cada vez mais próximas.
Recusei-me a ir para um abrigo. Não suportaria saber que meu marido
virou um inumano, uma máquina de lutar sem propósito além de
simplesmente matar. Espero que a próxima atinja em cheio a minha
casa.
Silêncio.
O bombardeio terminou. Arrisco-me a olhar pela porta. Por um
instante, não acreditei no que vi. Até onde minha vista alcançava,
tudo estava destruído. Minha casa era a única de pé.
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